sábado, 2 de julho de 2011

ASPECTOS DA VELHICE IDEAL NA GRÉCIA CLÁSSICA

Autores: Pedro Ribeiro; Antônio Luís; Pedro Leandro; Roberto Fortaleza; Wilton Lacerda[1].

RESUMO

Evidencia a figura do velho idealizado, na Grécia Clássica, como o homem que trilhou os caminhos da vida formando o seu caráter conforme as virtudes que lhe fazem alcançar a justeza nesta ultima etapa da vida. Mostra pela sua vida que pode orientar as novas gerações com sabedoria, além de ser exímio administrador por virtude de sua palavra.

Palavras-chave: Velho. Grécia Clássica. Virtudes. Palavra.


ASPECTOIS IDEALE DELLA VECCHIA ETÀ NELLA GRECIA CLASSICA

SOMMARIO:

Mette in evidenza la figura dell'antico ideale, nella Grecia classica, come l'uomo che ha combattuto i percorsi di vita che formano il suo personaggio come le virtù che rendono ottenendo equità in questa ultima fase della vita. Mostra che dalla sua vita, può guidare le nuove generazioni con saggezza e amministratore distinto, in virtù della sua parola.

Parole chiave: Vecchi. Grecia clássica. Virtù. Parola.

1. INTRODUÇÃO

Na Antiguidade clássica o velho é percebido como referencia na polis, alguém que aconselha e direciona as pessoas. Podemos verificar a sua importância em várias tragédias e o seu papel desempenhado na sociedade grega. Na República de Platão, podemos observar no Livro I, o significado que ele tem para o decorrer de toda a obra. É através de Céfalo que se iniciam as conversas desse dialogo.

A experiência de vivencia na cidade por mais tempo que os demais cidadãos permitem ao ancião ser aquele que direciona os demais para uma prática virtuosa e livre das amarras sociais que acorrentam o homem. Em alguns casos há as lamentações dos prazeres da juventude, mas isso logo é superado por saber que não é a velhice causadora das limitações desses prazeres, mas a satisfação de escapar da irritável amarra selvagem. Essa superação permite ao velho poder se preocupar com questões mais importantes para a sociedade.

Não somente merecedor de atenção nas conversas, o ancião é merecedor de todo o respeito e privilégios na sociedade clássica grega. Na tragédia grega podemos observar vários pontos importantes em que o velho aparece e desempenha seu papel de maneira significativa. É ele responsável por vários momentos cruciais nas tragédias. Em Antígona aparece o coro que é formado por pessoas com atributos de senilidade, que instruem de maneira adequada as atitudes da sociedade. Bem como Tirésias, que representa a divindade.

Platão no inicio de A República mostra a responsabilidade do velho na polis. Além de ser o conselheiro, era ele quem servia de consciência na sociedade. O ancião era responsável pelas cerimônias de sacrifícios na casa. O respeito dos seus era notável, pois todas as decisões eram tomadas pelo velho da casa, não fica explicito na obra, mas Platão deixa subentendido no dialogo quando Céfalo se retira ao deixar a herança da discussão com seu filho Polemarco.

Um aspecto interessante de se notar era a liberdade que eles expressam em relação aos prazeres do corpo. Visto como correntes que desnorteiam os homens durante sua vida.

Nas palavras de Céfalo sobre, liberdade dos prazeres corpóreos, riqueza e justiça é que se desenrolam as discussões ao longo da obra de Platão. Principalmente em relação à justiça, onde é apresentada uma cidade imaginaria que deve ser regida pela ordem e pelo respeito. No Livro IV de A República são apontadas as principais virtudes na cidade que são a temperança, a coragem, a sabedoria, e a justiça. E tal, somente se consegue com respeito advindo da libertação dos prazeres. Na cidade é necessário controlar os prazeres. Desejos que movimentam o cidadão para fins que nem sempre são virtuosos, mas que devem ser controlados para que exista ordem na cidade. Por isso, o velho, aparece com o poder da palavra, que bem aconselha na administração da polis e do oîkos.

2. O VELHO, AQUELE QUE PERCORREU O CAMINHO DA VIDA E SUPEROU OS PRAZERES DO CORPO.

Na Grécia antiga a visão ideal do velho mostra-se em torno da perspectiva de um conhecimento experimental dos caminhos da vida, que lhes confere a sabedoria e domínio da luz racional sobre as paixões associadas aos prazeres corporais. Para evidenciar tais aspectos, do ideal de senilidade clássica, recorremos aos exemplos de Céfalo, no livro I da “República” de Platão e do personagem Rei Nestor da “Ilíada”, homérica.

O velho como experiente por ter aprendido com a vida, pode instruir os mais novos que desejam uma boa orientação a fim de trilharem as vias de sua existência à luz da sabedoria, assim no diálogo platônico Sócrates afirma: “[...] nada me agrada tanto como praticar com pessoas de idade; pois as considero como viajantes que percorreram um longo caminho, o qual eu talvez tenha de percorrer também”. (PLATÃO, 1991, p. 8).

O homem senil também é idealizado como homem temperante, que venceu os prazeres exigidos pelo corpo. Não é mais um homem em quem domine os apetites animalescos, vinculados à alimentação e às paixões eróticas, mas, um homem que se autogoverna pela sabedoria, colocando o seu corpo em situação de obediência para com sua alma; assim, Céfalo pode compartilhar de sua senilidade Ideal, com o poeta Sófocles:

Bem me lembro de uma ocasião em que estava junto de Sófocles, o velho poeta, e alguém lhe perguntou: “como vais Sófocles, no que diz respeito ao amor? És ainda capaz de estar com uma mulher?” E ele respondeu: “Sossega, homem! Com a maior satisfação me livrei dele, como quem se livra de um déspota furioso e selvagem.”’(Idem, Ibidem, p.8)

No entanto, não é a velhice por si que proporciona ao homem a sabedoria e a temperança, mais sim, a formação do seu caráter, pois este diálogo platônico evidencia anciãos que não são sábios, por não terem adquirido a temperança e, por consequência, passam sua existência senil a se lamentarem pela ausência dos prazeres corporais, afastando o seu caráter da naturalidade, tranquilidade e bom-humor que, são peculiaridades que se esperam encontrar no velho ideal, como afirma Céfalo:

A verdade, Sócrates, é que essas queixas, bem como as que são feitas contra os parentes, devem ser atribuídas a mesma causa; e esta não é a velhice e sim o caráter dos homens; pois aquele que tem um natural tranquilo e bem-humorado não sentirá o peso dos anos e ao que não é assim não só a velhice mas a própria juventude é pesada.(Idem, Ibidem, p.8).

Então a velhice em Céfalo, é uma velhice ideal, de um homem que tem seu caráter formado na justiça, num caminho que se iniciou na juventude. “A velhice só lhe trouxera paz e liberdade [...] Não se dirá dele, quando morrer, que mentiu ou que deixou de pagar aos deuses e aos homens o que lhes devia. Em tudo e por tudo a velhice de Céfalo retrata a satisfação dos justos”. (NUNES, 2000, p.9).

Henrique Cairus ilustra o ideal de velhice no personagem Rei Nestor, da Ilíada, de Homero. Para Cairus, tal personagem do poema homérico ressalta três características que marcam a senilidade humana idealizada na Grécia clássica. Assim, afirma Cairus. (2000, p.50. Grifo do autor):

Um dos principais representantes da senectude que contemplamos na Ilíada é Nestor um honorável guerreiro da geração de Teseu, um testamento viva do mito, um elo entre dois ciclos da mitologia grega e detentor de valiosas informações assimiladas no passado e sedimentadas pelo tempo. Essas características lhe conferem sobretudo autoridade.

Nesta linha de analise as três peculiaridades, assinaladas por Cairus, que coroam a velhice do Rei Nestor são:

a) este personagem conviveu com uma geração anterior, uma geração superior à mais recente;

b) o personagem não apenas testemunhou a existência dos heróis antepassados, mas foi um desses lutando corajosamente ao lado deles;

c) e Nestor é a testemunha credenciada para falar das experiências que compartilhou com os antigos.

No paradigma de velhice nestoriana, o ancião possui a força testemunhal da palavra, fundada na sua experiência heróica de tempos superiores, onde sua juventude brilhava pela coragem.

Firmado nas figuras modelares de senilidade, que são Céfalo e Nestor; o velho idealizado é um homem de caráter forjado, desde a juventude nas virtudes, coragem, temperança e sabedoria, que constituem o homem justo conforme o pensamento platônico.

3. O VELHO ENQUANTO, RELIGIOSO, CONSELHEIRO E EDUCADOR.

Das virtudes senís que constituem o homem justo, coroado com seus cabelos brancos; emergem três funções atribuídas na literatura clássica a estes cidadãos que percorreram boa parte do caminho da vida. Tais funções estão vinculadas às esferas da transcendência religiosa, do aconselhamento e da educação.

No setor da transcendência religiosa, ressaltamos os personagens, Céfalo e Tirésias, este é o adivinho cego das tragédias de Sófocles que possui o encargo de desvelar o destino dos personagens principais, além de aconselhá-los conforme os oráculos que desvenda nos augúrios das aves. Céfalo, enquanto patriarca destaca-se no diálogo platônico, por radicar sua sabedoria na dimensão mítico-religiosa transmitida pelos poetas, preocupando-se com sua vida após a morte: “As fábulas que se contam a respeito do Hades e do castigo que nos espera pelas culpas que tivemos aqui eram antes matéria de riso, mas agora começa a atormentá-lo o pensamento de que talvez sejam verdadeiras”. (PLATÃO, Op. Cit. ,p.9). Tirésias, o velho adivinho sofocleano, é um homem cego, mas que observa a verdade vinculada ao destino dos seres humanos, dos personagens do drama que ele auxilia a desvelar; podendo, por sua visão transcendente mesclada com sua interpretação dos augúrios dar conselhos aos personagens-chave, como acontece em Antígona ao aconselhar Creonte: “Reflete pois nisto, meu filho. Errar é comum a todos os homens. Mas quando errou, não é imprudente nem desgraçado aquele que depois de ter caído no mal, se emenda e não permanece obstinado”. (SÓFOCLES, 1997, p.67).

A função de aconselhar provém da sabedoria adquirida pelo homem idoso, por ter enfrentado muitas experiências de vida que o ensinaram a fugir dos vícios e trilhar o caminho da virtude como ressalta Platão (Op. Cit. p.8), quando Sócrates fala sobre as pessoas idosas: “[...] acho necessário informar-me com elas se a estrada é lisa e fácil ou áspera e cheia de dificuldades”. O Coro, em Antígona, possui este atributo de senilidade, por guardar a memória histórica de Tebas, no entanto, o seu aconselhamento está vinculado com o bem da polis tebana possuindo uma finalidade política; neste sentido, enfatiza Pereira Fialho (1997, p.19):

Diversamente do que sucede noutras tragédias, o coro não sente em sintonia com a protagonista. A sublinhar esse distanciamento emocional está, como já foi notado, o fato dele ser constituído – caso início nas peças conservadas de Sófocles - por pessoas de outro sexo, cujos interesses estão ligados aos da comunidade que representam, não aos da figura principal.

Nesta esteira da literatura grega, na homérica “Odisséia”, o rei Nestor brilha por sua senilitude e sabedoria, tanto que o jovem Telêmaco, filho de Odisseu, receia em pedir-lhe conselhos e informações sobre o paradeiro de seu pai: “Como hei de”, respondeu-lhe, “apresentai-me?/ Como saudá-lo? sou mentor, noviço/ Em discorrer com tento, e me envergonho /De interrogar um velho” (HOMERO, 2003, p.60).

Quanto à função de educar, o idoso que instrui é representado em Ilíada por Fênix que foi o preceptor de Aquiles. Neste papel, o velho idealizado transmite suas experiências, bem como treina seus discípulos na prática das virtudes. Também o filosofo, como no caso de Platão, por ser amigo da sabedoria, que é atributo senil, faz a experiência de educar: “[...] a aventura de trágico desfecho a que Platão se abalançou em sua velhice, por ter acreditado que bastaria persuadir em único homem para concretizar a reforma da cidade” (NUNES, Op. cit. p.8).

Ressaltamos que a função senil, de educar as futuras gerações na vivencia das virtudes, não está só para a justeza da alma, mas, também, para a consolidação de uma política justa.


4. O VELHO COMO ADMINISTRADOR

O velho enquanto homem experiente e autônomo na prática da cidadania no contexto grego, é experiente na prática administrativa, tanto de sua propriedade privada (Oîkos), como na administração da cidade-estado (Polis).

Na sua propriedade privada; conforme o “Econômico” de Xenofonte, partindo do diálogo entre Sócrates e Iscômaco; o patriarca age em conjunto com sua esposa, esta governa a casa em si, ao passo que aquele administra a propriedade externa, vinculado a agricultura e a orientação dos escravos e, ambos, cuidam da educação dos filhos. Para tanto o administrador do oîkos deve valer-se da palavra; e por isso, exercitar-se nela:

Estou sempre, Sócrates, exercitando-me para falar. Quando ouço um servo fazendo uma acusação ou uma defesa, procuro pôr o caso a limpo; ou censuro alguém diante dos meus amigos ou elogio, ou tento reconciliar conhecidos meus, procurando ensinar-lhes que é mais vantajoso serem amigos que adversários. (XENOFANTE, 1999, p.61).

O campo da linguagem é fundamental na questão administrativa, também na polis. Apesar de a senilidade grega ser contada a partir dos sessenta anos, o Conselho dos Quinhentos, instituído por Péricles em Atenas, dava ensejo à participação de cidadãos a partir dos trinta anos de idade. No entanto, para se deliberar e legislar na polis grega, o cidadão deveria se valer da linguagem e, neste setor, o mais exímio deveria ser o idoso por está dotado de rica experiência, assim como de sabedoria que conferiam autoridade aos seus pronunciamentos políticos. Quanto ao Conselho dos Quinhentos, afirma Ferreira (1990, p.98): “Nenhum cidadão podia representar o seu demo no conselho antes dos trinta anos e, durante a vida, apenas tinha a possibilidade de ser escolhido para esse órgão, duas vezes não seguida”.

Assim, em questão administrativa, seja na propriedade privada como na Assembleia e no Conselho da polis ateniense, pelo primado da palavra, enfatizamos o cidadão senil como exímio administrador.


5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Emergindo no rico patrimônio cultural da Grécia Clássica, deparamo-nos com a importância da figura do velho idealizado. Caracterizado por uma rica experiência de vida, trilhada no campo das virtudes, que adquiriu em sua jornada existencial, quais sejam, a temperança, a coragem, e a sabedoria, que lhe torna justo e, confere-lhe a autoridade da palavra na orientação e formação de novas gerações.

Nessa perspectiva, embasada na filosofia e literatura clássicas, bem como de seus respectivos comentadores; destaca a figura do idoso nos autores Homero, Sófocles, Platão e Xenofonte, desvelando a figura do velho ideal, sem deixar de aludir os homens que chegaram à esta fase da vida, sem a virtude da justiça por deficiência de caráter.

Falar da importância da velhice ideal é evidenciar a importância da educação do Ser humano na virtude, na cultura e na piedade para que chegue a velhice como homem justo e feliz, com a autoridade da palavra, orientando os destinos dos indivíduos humanos de sua casa e da polis, para que, cumprindo a sua finalidade alcance a felicidade vital.


REFERÊNCIAS

CAIRUS, Henrique. Ser velho entre gregos. In: II Jornada de Psicanálise com velhos e suas interseções. Rio de Janeiro: Lidador, 2000. V.1. p.49-58.

FERREIRA, José Ribeiro. A democracia na Grécia Antiga. Coimbra: Livraria Minerva, 1990.

HOMERO. Ilíada. [Trad.: Manuel O. Mendes]. São Paulo: Martin Claret, 2008.

_______. Odisséia. [Trad.: Manuel O. Mendes]. São Paulo: Martin Claret, 2003.

NUNES. Benedito. Introdução. In: Platão. A República. 3.ed.rev. [Trad.: Carlos A. Nunes]. Belém: UFPA, 2000.

PLATÃO. A República. [Trad.: Leonel Vallandro]. São Paulo: EDIOURO, 1991.

SÓFOCLES. Antígona. [Trad. Int.: Maria A. R. Pereira Fialho]. Brasília: UnB, 1997.

XENOFONTE. Econômico. [Trad. Int.: Anna L. A. de Almeida Prado]. São Paulo: Martins Fontes, 1999.



[1] [Digite o nome da empresa]

quinta-feira, 19 de março de 2009

Amor e Loucura

Tempos atrás, viviam duas crianças, um menino e uma menina, que tinha entre quatro e cinco anos de idade.
O menino chamava-se Amor e a menina, Loucura.
O Amor sempre foi uma criança calma, doce e compreensiva.
Já a Loucura era muito emotiva, passional e impulsiva.
Entretanto, apesar de todas as diferenças, as crianças cresciam juntas, inseparáveis: brincando, brigando...
Houve um dia, porém, em que o Amor não estava muito bem e acabou cedendo às provocações de Loucura, com a qual teve uma discussão muito feia.
Ela não deixava nada barato; estava furiosa como nunca com Amor, e começou a agredi-lo, não só verbal, como de costume.
A menina estava tão descontrolada que agrediu o garoto fisicamente e, antes que pudesse perceber, atacou os olhos do Amor.
O Amor, sem saber o que fazer, chorando, foi contar à sua mãe, a deusa Afrodite, o que havia ocorrido.
Inconsolada, Afrodite implorou a Zeus que ajudasse seu filho e que castigasse loucura.
Zeus, por sua vez ordenou que chamassem a garota para uma séria conversa. Ao ser interrogada, a menina respondeu, como se estivesse com a razão, que Amor havia lhe aborrecido e que foi merecido tudo o que aconteceu.
Embora soubesse que não fora justa com seu amigo, a menina que nunca soube se desculpar concluiu dizendo que a culpa havia sido do Amor, e que não estava nem um pouco arrependida.
Zeus, perplexo com aparente frieza daquela criança, disse que nada poderia fazer para devolver a visão ao Amor, mas ordenou que Loucura estaria condenada a guiá-lo por toda a eternidade, estando sempre junto ao Amor em cada passo que este desse.
E até hoje eles caminham juntos. Onde quer que o amor esteja, com ele estará Loucura, quase que fundidos numa só essência, tão unidos que por vezes não se consegue definir onde termina o Amor e onde começa a Loucura.
É também por isso que se costuma dizer que o Amor é cego. Mas não é verdade, pois o Amor tem os olhos da Loucura.